quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Reunião de amigos com narrador participante e omnipresente

- Amor. Que não faltasse aqui nesta nossa reunião de amigos, se falar nessa mariquice que é "fogo que arde sem se ver". O amor não é nada mais do que uma enorme habituação ao corpo de outrem, não é nada mais que ser tudo para quem nunca nos foi nada, não é nada mais que amar, é tão fácil amar. O amor é um monte de tretas, é algo inexplicável que toda a gente tenta explicar. Nem sei porque falo do amor, talvez por ser tema cujo poderíamos discutir a noite toda, de maneira a combater o sono que nos invade, o cansaço que nos consome, apesar de nos relembrar do sofrimentos que passámos, sofrimento esse que julgamos esquecido (mas alguma vez o conseguiremos esquecer?). Esse sentimento que tem histórias que nunca mais acabam, onde uns sujeitos que dão pelo nome de Romeu e Julieta, Simão e Teresa, Inês e Pedro, são personagens principais. Como se esses amores fossem alguma coisa comparados aos que eu, e vocês, meus amigos, vivemos.
Entregámos sempre tudo às nossas amadas e quando não tínhamos nada para dar, elas exigiam-nos mais. E nós tínhamos de arranjar algo perdido nas entranhas que ainda servisse para as satisfazer. Que sortudas elas eram... até as mães sabiam que connosco elas iriam ficar bem. Só que agora, já não nos falam, pensando sempre que a culpa foi nossa pela filha nunca mais ser feliz de novo. Tirando o António, que sofre mais que todos nós, sofremos todos os dias um pouco. O António sofre muito, a mulher morreu. Essa, deixou-a ele, as nossas, deixámos nós. - Disse eu

- A mim traiu-me a minha, mas ainda bem que assim foi. Descobri a sua putice antes de me casar. Não me tem ela traído a tempo e aqui estava eu, feito boi de tourada, casado ainda por cima. As mulheres, realmente, são tão sabidas: fazem-se de presas, vítimas, quando elas são as verdadeiras predadoras. Quantas mulheres me tentaram levar ao inferno das suas camas, onde não há senão pecado!? E eu, religioso claro, sempre me debati... e nunca venci! Vejam bem meus amigos, a força destas mulheres. Agora que não tenho ninguém, ninguém me tenta a pecar. Talvez vá para o inferno quando morrer, se o houver. A minha salvação é que a igreja promete que todos vão para o paraíso, por isso não será assim tão mau, pecar muito em terra firme. Sempre traí e uma vez fui traído, sempre culpa das mulheres. Realmente estas mulheres... - Disse o F. Xavier.

- Já contaram o meu caso mas falo também eu um pouco sobre ele. A minha mulher morreu, sofro todos os dias com isso, amava-a, e ela a mim, suponho. Não tem muita história o nosso casamento, só durou um ano, depois ela faleceu. Sempre quis casar e ter a minha esposa, como em contos de fadas: para sempre. Só me esqueci da morte, que nunca é equacionada nestes cálculos do eterno. E ela, a morte claro, faz questão de se mostrar, de dizer: estou aqui! Agora sofro muito, todos os dias, sinto a falta dela. As mulheres não são assim tão más, diria até que são boas. - Disse o António.

- Eu sou um felizardo! Ah ah. Deixei a minha mulher, disse-lhe que nunca mais a queria ver e ela voltou, a rastejar, ali aos meus pés, a implorar que voltasse para ela. Que figuras ridículas. Mas eu disse-lhe que já tinha outra, e era verdade. Contudo, disse que estava disposto a viver como companheiro, como amigo, largando a outra. Ela concordou de imediato, claro. Hoje vivemos juntos, damo-nos bem por vezes até temos sexo. Não vivemos comprometidos e já tive montes de mulheres! Ela vive como uma freira a espera que eu seja algum D. João V com vontade de ir ao convento, se é que me entendem. Sou um felizardo!

- Que sorte! - Disseram todos em coro.
Que mentiroso! Digo eu, que sou o narrador.

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